Visões do Além e pedagogia moral: a construção do Inferno e do Paraíso entre o Apocalipse de Pedro e o Apocalipse de Paulo

Resumo

Este artigo propõe uma análise comparativa entre o Apocalipse de Pedro (séc. II) e o Apocalipse de Paulo (séc. IV), enfocando a transformação da escatologia cristã primitiva em direção a uma moralização individualizada do Além. Partindo da distinção entre uma escatologia histórico-profética e outra de viagens visionárias da alma pós-morte, o estudo demonstra como os dois textos se inserem em contextos distintos da história do cristianismo: o primeiro, ainda imerso nas expectativas coletivas e cósmicas do juízo final; o segundo, marcado por uma pedagogia espiritual voltada ao comportamento moral do indivíduo. Por meio de uma abordagem textual, histórica e teológica, o autor evidencia que o Apocalipse de Pedro, com suas imagens vívidas de punições exemplares, opera como elo entre a escatologia apocalíptica judaico-cristã e a imaginação do inferno medieval; enquanto o Apocalipse de Paulo, altamente sistematizado e profundamente influente na tradição ocidental, consolidou um modelo de juízo baseado em hierarquias éticas e disciplinares, antecipando concepções como a do purgatório. O estudo conclui que a função normativa dessas visões do Além está intimamente ligada às demandas institucionais de cada época e que o êxito do Apocalipse de Paulo se deve à sua capacidade de organizar o medo e a esperança em um repertório visual e teológico eficaz para a cristandade medieval.